Mariliza Souza, 44 anos, é jornalista com pós-graduação em Especialização Montessori – Formação de Professores de 2 a 9 anos da ABEM. Em Cabo Frio, onde mora, Liza aplica em casa com a filha Alice, 11 anos, o que aprendeu no curso e faz de sua casa uma extensão da escola montessoriana em que Alice está matriculada. Confira!
Lembra como foi o seu primeiro contato com o Método Montessori?
A Alice é autista nível 2 de suporte (o antigo moderado), e não falante. Desde que ela recebeu o diagnóstico, aos dois anos e meio de idade, eu e meu marido procuramos espaços que pudessem ajudar no desenvolvimento dela dando a ela a chance de vivenciar meios típicos. Desde então, escutava falar sobre Montessori. Cheguei a pesquisar sobre a filosofia de ensino, mas na cidade que morávamos – Macaé-RJ – não tinha escola Montessoriana.
E o que exatamente o atraiu no método e quando decidiu matricular a Alice em uma escola montessoriana?
Quando ouvi falar de uma escola montessoriana raiz (rsrs) em Cabo Frio, conversamos muito (eu e meu marido). Deixei o meu trabalho como jornalista – que era o que nos prendia – e nos mudamos para que a Alice pudesse ter a chance de se alfabetizar, aos oito anos de idade (!!!). Desde os cinco meses ela frequentava escolas tradicionais, quando precisou ir pra creche para que eu pudesse voltar ao trabalho.
Montessori pra mim é sensacional! Digo sempre que toda criança com deficiência ou dificuldade de aprendizado devia ter a chance de se alfabetizar pelo legado montessoriano. É concreto, visual, tátil, respeitoso… Pra citar um exemplo: as lições de três tempos são tudo de bom pra pessoas no espectro autista porque, além de super visual e sensorial, dá a chance da criança primeiro vivenciar o aprendizado para depois “copiar”. E tudo vem acompanhado de imagens (autistas são super visuais, em sua maioria). Fora as miniaturas, que traz o concreto/tátil pra perto da criança. Não existe o errar, já que o estudante percebe quando a lição não está condizente. Além do mais, as atividades de vida prática são o máximo, porque ajudam de maneira indescritível numa das maiores dificuldades da grande maioria dos autistas – a disfunção executiva. Nem sei mensurar o quanto a Alice cresceu também nos afazeres essenciais pra vida depois que Montessori entrou na nossa casa.
Fora as áreas do currículo Montessori – Linguagem; Sensorial; Vida Prática; Matemática e Educação Cósmica – outro ponto positivo e super vantajoso para crianças com deficiência numa escola montessoriana é a quantidade de crianças por turma (muito menor que nas tradicionais) e a questão das agrupadas, que é TUDO DE BOM pra troca de cuidados, experiências, respeito com o próximo. Escolas montessorianas são também mais silenciosas e ordenadas, o que também é bem positivo,
Como tem sido desde então?
A Alice frequenta uma escola Montessori há três anos. Desde então, ela cresceu absurdamente como pessoa, como aprendiz – tanto nas questões relacionadas a alfabetização em si, como nas de conhecimento de mundo e nas atividades de vida diária. Tornou-se muito mais independente, sente vontade de ajudar nas tarefas de casa que antes ela se sentia incapaz e nem tentava. Hoje, por exemplo, ela pegou por conta própria um casaco da mamãe e pendurou no meu armário, sem que eu precisasse pedir ou dizer como fazer. Parece bobo, mas pra uma pessoa com dificuldades de dar início, meio e fim às tarefas, e que muitas vezes não percebe que precisa agir, é de tirar o chapéu.
No ano passado, por exemplo, ela fechou o ano lendo pequenas palavras, depois de conseguir identificar todos os fonemas (coisa que ela não conseguia pelo ensino tradicional). Outra coisa bacana que o aprender por Montessori trouxe pra Alice: ela se interessa em saber com que letra começam as coisas. Passa o dia nos perguntando, do jeito dela, como se escreve isso ou aquilo. Achamos isso o máximo! Resumindo: Montessori mostrou pra Alice que ela é capaz. É o resultado que se tem quando se sabe incentivar, mostrar, apoiar – junto da metodologia certa.
Quais os principais desafios, dificuldades e recompensas?
As recompensas estão no dia a dia, quando vemos a Alice pedindo pra lavar uma louça, tirando o potinho de ração dos animaizinhos de estimação da casa, pra ela mesma alimentá-los; no reconhecer de palavras lidas; na vontade de aprender mais; no ela me chamar pro nosso cantinho de estudos montessori que montamos em casa pra ajudar; em ver que ela pode ter futuro, mesmo com as dificuldades que o autismo traz.
O maior desafio é o capacitismo disfarçado de inclusão. A falta de professores “mente aberta”, despido de mitos e preconceitos, que pesquise, que tenha entusiamo e vontade de aprender sobre o espectro autista pra ajudar pessoas como a Alice a ir cada vez mais longe. É um desafio diário pra mim, fazer com que as pessoas entendam – mesmo as que trabalham em escolas montessorianas – que o mundo é feito de seres diferentes, e nem por isso quem tem um modo de pensar fora do padrão é menos capaz de aprender. Todo mundo é capaz quando se quer ensinar. Por isso, pra mim, onde houver amor, boa vontade, conhecimento e atitude haverá futuro.
As dificuldades se mesclam aos desafios. Sei que não é fácil prender a atenção da Alice, por exemplo. Mas o método é tão palpável (no sentido literal da palavra), que raras às vezes ela não se interessa pelo conteúdo apresentado. Por isso bato na tecla de que é muito necessário saber entender (e isso requer pesquisa, vontade, estudo, como já mencionado) sobre autismo para que se consiga evolução.
Que impacto acredita que o Método Montessori tem na vida de sua família? Você disse que aplica o método em seu dia-a-dia…
Quando matriculei a Alice na escola Montessori um horizonte se abriu inclusive pra mim. Me matriculei num curso de formação para professores Montessori da Associação Brasileira de Educação Montessoriana (Abem) e me debrucei a estudar as cinco áreas de conhecimento deixadas por Maria Montessori. O que eu via nas aulas, colocava em prática em casa. Foi ótimo, porque veio a pandemia e eu pude ajudar demais a minha menina a continuar aprendendo.
Estudando Montessori a gente percebe que não tem mal nenhum (muito pelo contrário) incluir a criança nas tarefas da casa, e que isso ajuda demais no desenvolvimento dessa criança de forma geral – a começar por se sentir parte daquilo, da satisfação em ver que também e capaz, e da vivência acumulada pra toda uma vida independente, tão essencial quando se tem uma deficiência. Fora as questões lógicas relacionadas a alfabetização, que abrem horizontes pra essa mesma independência futura.
Além disso tudo Maria Montessori nos fala demais sobre o respeito à criança, da criança como ser humano, etc. E isso é sensacional! Porque somos educados – pelo menos eu fui, sou de 1977 – a pensar que criança não tem de querer nada; que pirraça é capricho que precisa de correção; e tantas outras coisas desrespeitosas com os nossos futuros cidadãos e que Maria Montessori, lá nos idos de 1800, já mostrava que estávamos e estamos errados. Então, resumindo: todo o crescimento da Alice nos últimos três anos é um compilado de práticas baseadas no método montessori que apliquei em casa, diariamente, em conjunto com a escola.
Hoje, a grande dificuldade para liderar a criança e ressaltar suas capacidades não consiste em descobrir uma forma de educação realista, mas em vencer os preconceitos do adulto em relação à criança. (Montessori: 2018, p.62)
Um pouco – bem pouco – do que faço pro crescimento da Alice aqui em casa eu resolvi mostrar no meu Instagram pra que outras famílias em situação igual ou semelhante possa copiar e ter a chance de levar aos seus filhos mais dignidade e respeito na forma de um aprender pra vida. E, como não poderia deixar de ser, meu trabalho de conclusão de curso levou o título de A Educação Montessori e a inclusão de crianças autistas – TEA, porque acredito, e muito, que todo mundo é capaz de aprender quando se sabe ensinar.
Deixar um comentário