Durante muitos anos, Lígia Moraes trabalhou com crianças com autismo. Psicóloga especialista em Terapia Cognitivo_Comportamental (UFRN), Lígia mora em Natal onde inaugura ainda neste mês de fevereiro a Escola Montessori Ninho, inicialmente com turma de 0-3 anos. Confira!
´´O nome “Montessori” foi popularizado por causa das camas no chão e dos móveis ao alcance das crianças. Depois vêm os brinquedos que recebem o “selo” Montessori só por serem de madeira, mas na verdade não atingem critério para serem materiais Montessori… Depois de ter acesso a esses itens de consumo e, às vezes, a algumas frases impactantes da mestra, as famílias e os educadores não se aprofundam muito.
Não podemos culpá-los. No nosso mundo acelerado e individualizado, os pequenos núcleos familiares estão sobrecarregados de tarefas. Criar um bebê, uma criança já não é fácil. Quem dirá com as pressões atuais: natação, bilíngue, judô, balé, alimentação saudável, zero telas. E não importa o que se faça, no final da estrada vem a culpa por não ter se atentado a um detalhe específico.
Também não podemos culpar os professores. Quantos não foram jovens sonhadores que foram sugados pela instituição chamada “escola”? Como psicóloga infantil e como mãe visitei muitas instituições e não fiquei satisfeita. O modelo tradicional de ensino está contaminado em seu âmago e precisa ser repensado com urgência. Precisamos construir novos cenários em que educadores tenham a inspiração necessária para atuar não para o entretenimento ou a mera passagem do tempo, mas para o despertar do potencial humano.
O meu desejo por me aprofundar em Montessori veio depois da maternidade. E o desejo de criar a nossa escola veio depois que precisei voltar a trabalhar e não conseguia resolver onde deixaria minha filha. É um clichê, muitas escolas Montessori surgem assim, do coração de mães. Eu acho que antes da maternidade a gente não compreende quão impactante é se separar de um filho. Pensamos: “ah, vou deixar no berçário. Todos os bebês vão para o berçário, por que o meu não vai?”. Mas na hora do “vamo ver”, o que era simples se torna complexo. Muitas perguntas surgem: vão tratar meu filho bem? O que vai acontecer se ele chorar? Ele vai passar fome? Ele estará sendo estimulado corretamente? Vão conversar com ele? No fim, o que queremos saber é a partir de qual filosofia os profissionais vão embasar suas práticas. Todos vão responder “aprendizagem centrada na criança” mas a partir de qual perspectiva se enxerga essa criança?
Nesse sentido, a filosofia Montessori se adequa ao que entendo por respeito à infância e ao desenvolvimento. Maria Montessori foi uma médica pioneira e inventora. Ela abriu o caminho para que nós pudéssemos trilhá-lo com firmeza hoje. Ela resgata a criança do papel de passiva e dá a ela a chave do universo. É triste que hoje tanto comércio esteja atrelado ao seu nome sem qualquer responsabilidade, quando o que existe de mais poderoso em “Montessori” é imaterial: sua mensagem ao mundo.
Depois de ter sido inundada pela mensagem de Montessori eu fiz um esforço para compreendê-la de forma mais técnica. Eu percebi muitas aproximações da sua metodologia de ensino com o que eu praticava nas minhas sessões de Análise do Comportamento Aplicado, uma área da psicologia conhecida por seu rigor científico. Eu sabia que não tinha sido a primeira pessoa do mundo a notar isso…Encontrei no Centro de Educação da UFRN um livro que trazia todas essas aproximações. “Estudo do Sistema Montessori Fundamentado na Análise Experimental do Comportamento”, a tese de doutoramento de Vera Lagoa. Na aba do livro, Yolanda Arantes disse:
“A presente obra é uma contribuição da mais alta importância para aqueles que pretendem, não só uma informação absolutamente exata das ideias e da metodologia de Maria Montessori, como do embasamento científico de tais ideias e metodologias. […] Esperamos que a oportuna publicação da tese de doutoramento da Professora Vera Lagôa muito contribua para a difusão de trabalho prático realizado com pleno domínio dos princípios em que a técnica montessoriana está embasada, assim como para evitar as desfigurações do sistema montessoriano, como tem acontecido, ao longo do tempo, particularmente no Brasil. Sem dúvida nenhuma a autora é a representante mais fiel do pensamento de Maria Montessori, entre nós, e, portanto, este trabalho só poderia ser feito por ela que soma a uma grande bagagem de conhecimentos e vivências montessorianas uma conquista exata das conquistas do campo da psicologia experimental. Acresce a essas qualificações, uma longa prática de magistério”.
Esse pequeno livro, esquecido numa biblioteca em Natal, é um grande tesouro para nós. Ele trouxe um recorte temporal do método montessori no Brasil e uma análise profunda de como deve ser aplicado, de acordo com os princípios da mestra que convergem com princípios científicos. Da leitura deste livro, veio uma vontade ainda mais profunda de montar a escola, que dei o nome de Montessori Ninho. Estamos abrindo em Fevereiro de 2023, abraçando o desafio de lealdade aos princípios e também adequação às demandas da família brasileira de Natal/RN, no século XXI. Estamos abrindo turma de 0-3 e no futuro pretendemos expandir para 3-6 também.
Os primeiros anos de vida são o fundamento de uma existência e o que queremos para nossos bebês e crianças é: muita movimentação livre no nosso jardim, sorrisos sinceros, arte e cultura, contato com nossos animais, acolhimento para as famílias, tudo isso dentro de um ambiente montessori autêntico, que estamos construindo a cada dia com muita dedicação e afeto.“
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