Montessori à esquerda, em 1915.

 Antes de qualquer explanação, recordemo-nos que Maria Montessori esteve interessada em nos expor seus estudos acerca do que chamou de “Antropologia Pedagógica”, por meio da publicação de um livro. Considero, particularmente importante, que voltemos nossa atenção ao fato. Sabemos que suas obras são quase sempre enfáticas, então me coloco a questionar sua intencionalidade com esse tema, parece-me que ela queria nos dizer: “não estamos considerando tanto esse ponto, por favor, instruam-se a respeito”. Logo no prefácio, Montessori (1913, p. VII, tradução livre minha do inglês) ressalta que esse termo estava sendo estudado na Itália, mas que não havia nenhuma definição que pudesse exprimi-la realmente, então procura fazê-lo assinalando que a Antropologia Pedagógica “deve basear seu escopo na concepção fundamental de uma possível melhoria do homem, fundada no conhecimento positivo das leis da vida humana”. Essa ideia está arraigada nas perspectivas de cultura e tradição contextual. A autora coloca como objeto de estudo a criança e pontua que “a criança, como qualquer outro indivíduo, representa um efeito de múltiplas causas: ela é um produto da hereditariedade (produto biológico) e um produto da sociedade (produto social)” (MONTESSORI, 1913, p. 404, tradução livre minha do inglês). Dessa maneira, o alicerce da filosofia montessoriana perpassa pelos entendimentos da história pessoal e social em que o/a educando/a se encontra, vislumbrando oferecer melhores condições e subsídios para, futuramente, avançar o contexto, sobretudo de compreensões cósmicas.

Valorizar a criança é como esperançar eternamente, como renovar sem medidas o mundo, Montessori ([1949?]) coloca-a como construtora do homem. Com isso, a humanidade se refaz e a nossa ancestralidade torna-se fundamental para compreendermos como estamos e somos agora. A tomada de consciência de que, enquanto seres humanos, somos transformadores do meio e também responsáveis por ele, é necessária, mas o sentimento de pertença assume caráter eminente e urgente. A Educação Cósmica converge para este aspecto, proporcionando ressignificações dentro da escolarização e a “re-união” das áreas do conhecimento, as quais foram se separando com o passar do tempo.

O mundo sempre foi um só e vivemos nele da maneira como ele se mostra. Ao longo dos anos, o homem passou a dar nome às coisas, até mesmo às áreas do conhecimento, mesmo sabendo do envolvimento entre elas. Ao nomear, erroneamente podemos pensar que “até aqui é Matemática, depois trata-se de Geografia”, por exemplo, limitando e “encaixotando” os saberes. Montessori propõe exatamente que possamos fazer emergir os conhecimentos da maneira como são, enlaçados intimamente entres as diversas áreas; na contemporaneidade chamamos de transdiciplinaridade. Conhecer a história de como o mundo se modificou a ponto de estar como é hoje, ou como o homem evoluiu suas habilidades e culturas são chaves que nos levam a compreensões Cósmicas e a partir delas chegamos às particularidades e propiciamos a abertura de possibilidades para o/a estudante, sobretudo no segundo plano do desenvolvimento (dos 6 aos 12 anos).

A educação cósmica surge então como um elemento desencadeador de fatos que merecem reflexão, justificando um passado, posicionando um presente e vislumbrando um futuro. (…) A criança, nesta fase, não absorve mais passivamente as impressões, não se contenta em aceitar simplesmente os fatos, mas deseja compreendê-los sozinha. (ALMEIDA; BAZILLO, 1979, p. 47 – 48).

Trata-se do que Montessori (2003) chama de “sementes de interesse”, com inspiração em seu Plano Cósmico, em que todos nós servimos a um propósito maior com nossa vida, consciente ou inconscientemente. A autora dedica todo um livro a sua proposta de Plano Cósmico, “Para Educar o Potencial Humano”, o qual conta com uma minuciosa organização de suas ideias e ideais. Os primeiros capítulos deste versam acerca da filosofia, para então seguir com textos práticos do que e de como as histórias de nosso Universo contribuem para o desenvolvimento das crianças e também para os sentimentos de gratidão e pertença a ele.

Talvez nós ensinemos às crianças a agradecer e a rezar a Deus, mas não a agradecer à humanidade, o mais importante agente da criação de Deus; nós não dispensamos qualquer pensamento aos homens e às mulheres que dedicam suas vidas para que nós possamos viver de maneira mais abundante. (…) Cada realização ocorre por meio do sacrifício de alguém que agora já está morto. (…) O que primeiramente se deseja é que não haja caridade patronal para com a humanidade, mas sim uma consciência honrada de sua dignidade e de seu valor. (MONTESSORI, 2003, p. 30).

Montessori por volta de 1950.

Trata-se de uma sensibilização, em que não cabe mais a cátedra de um professor, utilizando-se de meras aulas expositivas, mas sim de um guia disposto ao Plano Cósmico, valendo-se do mundo e suas histórias para ampliar possibilidades particulares. Assim, Montessori indiretamente nos mostra que, dessas contações de histórias, o adulto terá oportunidade de desvelar à criança conteúdos específicos de cada uma das áreas do conhecimento, fato esse que demonstra a importância de se seguir em unidade com elas, pois o avanço, a evolução, principalmente do ser humano, advém dessa união.

Não é evidentemente um “syllabus” ou um arbitrário aquele que informa a cultura de hoje, mas ocorre um “syllabus” que dá capacidade de compreender as condições do homem na sociedade atual, com uma visão cósmica da história e da evolução da vida humana, pois de que serviria hoje a cultura se não ajudasse os homens a conhecer o ambiente do qual devem adaptar-se?
Enfim, os problemas da educação devem ser resolvidos baseados em leis de ordem cósmica que vão daquela eterna construção psíquica da vida humana, àquela mutabilidade que conduz a sociedade nos caminhos de sua evolução.
O respeito às leis cósmicas é o respeito fundamental. Somente através dele pode-se julgar e modificar as inúmeras leis humanas que se referem ao momento passageiro das construções sociais externas. (MONTESSORI, [1950?], p. 16).

Ler as diferentes obras da autora possibilita a compreensão de que toda sua filosofia converge a esse Plano, mesmo que algum título tenha sido escrito antes dela apresentar o referido Plano. Podemos encontrar a Educação Cósmica vinculada somente às áreas de Ciência, História e Geografia, ou a atitudes conscientes com o meio ambiente, é isso, mas, não somente isso. Ela abraça a todas as áreas e transcende a escolarização, tendo como fim a evolução humana, propiciando o sentimento de pertença, a sensibilização e a educação consciente.

Maria e Mario Montessori

Maria Montessori não teve tempo hábil para escrever de próprio punho todos os detalhes da Educação Cósmica, no entanto, seu único filho, Mario, trabalhou muito, assim como sua mãe, para oferecer maiores subsídios aos profissionais que escolhiam a filosofia montessoriana para educar, sobretudo as crianças maiores de 6 anos. Boa parte do currículo do segundo plano do desenvolvimento, foram colaborações dele, reconhecidas pela mãe ainda em vida, e são encontradas em escolas do mundo todo.

Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Talita de; BAZILLO, Luiz Cavalieri. Educação Cósmica Montessoriana: a criança de 6 a 12 anos. Rio de Janeiro: OBRAPE, 1979.

MONTESSORI, Montessori. Pedagogical Anthropology. Tradução de Frederic Taber Cooper. Nova Iorque: Frederic A. Stokes Company, 1913.

MONTESSORI, Montessori. Mente Absorvente. Tradução de Pedro da Silveira. Rio de Janeiro: Portugália, [1949?].

MONTESSORI, Montessori. Formação do Homem. Rio de Janeiro: Portugália, [1950?].

MONTESSORI, Montessori. Para educar o potencial humano. Tradução de Mirian Santini. Campinas: Papirus, 2003.

 

Referências das imagens:

Montessori à esquerda, em 1915. Disponível em: https://dave999.files.wordpress.com/2012/10/mm1915.jpg

Montessori por volta de 1950. Disponível em: https://educomunicacion.es/figuraspedagogia/monte94.gif

Maria e Mario Montessori. Disponível em: https://montessorikluang.blogspot.com/2017/09/mario-montessori.html

Montessori à esquerda, em 1915.

 Antes de qualquer explanação, recordemo-nos que Maria Montessori esteve interessada em nos expor seus estudos acerca do que chamou de “Antropologia Pedagógica”, por meio da publicação de um livro. Considero, particularmente importante, que voltemos nossa atenção ao fato. Sabemos que suas obras são quase sempre enfáticas, então me coloco a questionar sua intencionalidade com esse tema, parece-me que ela queria nos dizer: “não estamos considerando tanto esse ponto, por favor, instruam-se a respeito”. Logo no prefácio, Montessori (1913, p. VII, tradução livre minha do inglês) ressalta que esse termo estava sendo estudado na Itália, mas que não havia nenhuma definição que pudesse exprimi-la realmente, então procura fazê-lo assinalando que a Antropologia Pedagógica “deve basear seu escopo na concepção fundamental de uma possível melhoria do homem, fundada no conhecimento positivo das leis da vida humana”. Essa ideia está arraigada nas perspectivas de cultura e tradição contextual. A autora coloca como objeto de estudo a criança e pontua que “a criança, como qualquer outro indivíduo, representa um efeito de múltiplas causas: ela é um produto da hereditariedade (produto biológico) e um produto da sociedade (produto social)” (MONTESSORI, 1913, p. 404, tradução livre minha do inglês). Dessa maneira, o alicerce da filosofia montessoriana perpassa pelos entendimentos da história pessoal e social em que o/a educando/a se encontra, vislumbrando oferecer melhores condições e subsídios para, futuramente, avançar o contexto, sobretudo de compreensões cósmicas.

Valorizar a criança é como esperançar eternamente, como renovar sem medidas o mundo, Montessori ([1949?]) coloca-a como construtora do homem. Com isso, a humanidade se refaz e a nossa ancestralidade torna-se fundamental para compreendermos como estamos e somos agora. A tomada de consciência de que, enquanto seres humanos, somos transformadores do meio e também responsáveis por ele, é necessária, mas o sentimento de pertença assume caráter eminente e urgente. A Educação Cósmica converge para este aspecto, proporcionando ressignificações dentro da escolarização e a “re-união” das áreas do conhecimento, as quais foram se separando com o passar do tempo.

O mundo sempre foi um só e vivemos nele da maneira como ele se mostra. Ao longo dos anos, o homem passou a dar nome às coisas, até mesmo às áreas do conhecimento, mesmo sabendo do envolvimento entre elas. Ao nomear, erroneamente podemos pensar que “até aqui é Matemática, depois trata-se de Geografia”, por exemplo, limitando e “encaixotando” os saberes. Montessori propõe exatamente que possamos fazer emergir os conhecimentos da maneira como são, enlaçados intimamente entres as diversas áreas; na contemporaneidade chamamos de transdiciplinaridade. Conhecer a história de como o mundo se modificou a ponto de estar como é hoje, ou como o homem evoluiu suas habilidades e culturas são chaves que nos levam a compreensões Cósmicas e a partir delas chegamos às particularidades e propiciamos a abertura de possibilidades para o/a estudante, sobretudo no segundo plano do desenvolvimento (dos 6 aos 12 anos).

A educação cósmica surge então como um elemento desencadeador de fatos que merecem reflexão, justificando um passado, posicionando um presente e vislumbrando um futuro. (…) A criança, nesta fase, não absorve mais passivamente as impressões, não se contenta em aceitar simplesmente os fatos, mas deseja compreendê-los sozinha. (ALMEIDA; BAZILLO, 1979, p. 47 – 48).

Trata-se do que Montessori (2003) chama de “sementes de interesse”, com inspiração em seu Plano Cósmico, em que todos nós servimos a um propósito maior com nossa vida, consciente ou inconscientemente. A autora dedica todo um livro a sua proposta de Plano Cósmico, “Para Educar o Potencial Humano”, o qual conta com uma minuciosa organização de suas ideias e ideais. Os primeiros capítulos deste versam acerca da filosofia, para então seguir com textos práticos do que e de como as histórias de nosso Universo contribuem para o desenvolvimento das crianças e também para os sentimentos de gratidão e pertença a ele.

Talvez nós ensinemos às crianças a agradecer e a rezar a Deus, mas não a agradecer à humanidade, o mais importante agente da criação de Deus; nós não dispensamos qualquer pensamento aos homens e às mulheres que dedicam suas vidas para que nós possamos viver de maneira mais abundante. (…) Cada realização ocorre por meio do sacrifício de alguém que agora já está morto. (…) O que primeiramente se deseja é que não haja caridade patronal para com a humanidade, mas sim uma consciência honrada de sua dignidade e de seu valor. (MONTESSORI, 2003, p. 30).

Montessori por volta de 1950.

Trata-se de uma sensibilização, em que não cabe mais a cátedra de um professor, utilizando-se de meras aulas expositivas, mas sim de um guia disposto ao Plano Cósmico, valendo-se do mundo e suas histórias para ampliar possibilidades particulares. Assim, Montessori indiretamente nos mostra que, dessas contações de histórias, o adulto terá oportunidade de desvelar à criança conteúdos específicos de cada uma das áreas do conhecimento, fato esse que demonstra a importância de se seguir em unidade com elas, pois o avanço, a evolução, principalmente do ser humano, advém dessa união.

Não é evidentemente um “syllabus” ou um arbitrário aquele que informa a cultura de hoje, mas ocorre um “syllabus” que dá capacidade de compreender as condições do homem na sociedade atual, com uma visão cósmica da história e da evolução da vida humana, pois de que serviria hoje a cultura se não ajudasse os homens a conhecer o ambiente do qual devem adaptar-se?
Enfim, os problemas da educação devem ser resolvidos baseados em leis de ordem cósmica que vão daquela eterna construção psíquica da vida humana, àquela mutabilidade que conduz a sociedade nos caminhos de sua evolução.
O respeito às leis cósmicas é o respeito fundamental. Somente através dele pode-se julgar e modificar as inúmeras leis humanas que se referem ao momento passageiro das construções sociais externas. (MONTESSORI, [1950?], p. 16).

Ler as diferentes obras da autora possibilita a compreensão de que toda sua filosofia converge a esse Plano, mesmo que algum título tenha sido escrito antes dela apresentar o referido Plano. Podemos encontrar a Educação Cósmica vinculada somente às áreas de Ciência, História e Geografia, ou a atitudes conscientes com o meio ambiente, é isso, mas, não somente isso. Ela abraça a todas as áreas e transcende a escolarização, tendo como fim a evolução humana, propiciando o sentimento de pertença, a sensibilização e a educação consciente.

Maria e Mario Montessori

Maria Montessori não teve tempo hábil para escrever de próprio punho todos os detalhes da Educação Cósmica, no entanto, seu único filho, Mario, trabalhou muito, assim como sua mãe, para oferecer maiores subsídios aos profissionais que escolhiam a filosofia montessoriana para educar, sobretudo as crianças maiores de 6 anos. Boa parte do currículo do segundo plano do desenvolvimento, foram colaborações dele, reconhecidas pela mãe ainda em vida, e são encontradas em escolas do mundo todo.

Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Talita de; BAZILLO, Luiz Cavalieri. Educação Cósmica Montessoriana: a criança de 6 a 12 anos. Rio de Janeiro: OBRAPE, 1979.

MONTESSORI, Montessori. Pedagogical Anthropology. Tradução de Frederic Taber Cooper. Nova Iorque: Frederic A. Stokes Company, 1913.

MONTESSORI, Montessori. Mente Absorvente. Tradução de Pedro da Silveira. Rio de Janeiro: Portugália, [1949?].

MONTESSORI, Montessori. Formação do Homem. Rio de Janeiro: Portugália, [1950?].

MONTESSORI, Montessori. Para educar o potencial humano. Tradução de Mirian Santini. Campinas: Papirus, 2003.

 

Referências das imagens:

Montessori à esquerda, em 1915. Disponível em: https://dave999.files.wordpress.com/2012/10/mm1915.jpg

Montessori por volta de 1950. Disponível em: https://educomunicacion.es/figuraspedagogia/monte94.gif

Maria e Mario Montessori. Disponível em: https://montessorikluang.blogspot.com/2017/09/mario-montessori.html